Clube de Leitura LER PARA TECER – 9º encontro – Ponciá Vicêncio

Prezados(as) Associados(as)

No dia 28 de abril de 2022, foi realizado, por videoconferência, o nono encontro do Clube de Leitura LER PARA TECER AEA-MG. O livro discutido pelos 16 leitores presentes a esse encontro foi “Ponciá Vicêncio”, da autora mineira, de Belo Horizonte, Conceição Evaristo.

Vejam o que traz a coordenadora Terezinha Pereira, sobre o encontro:

Sobre “Ponciá Vicêncio”:

A história de Ponciá Vicêncio descreve os caminhos, as andanças, as marcas, os sonhos e os desencantos da protagonista. A autora traça a trajetória da personagem da infância à idade adulta, analisando seus afetos e desafetos e seu envolvimento com a família e os amigos. Discute a questão da identidade de Ponciá, centrada na herança identitária do avô e estabelece um diálogo entre o passado e o presente, entre a lembrança e a vivência, entre o real e o imaginado.

Trechos:

“Quando Ponciá Vicêncio viu o arco-íris no céu, sentiu um calafrio. Recordou o medo que tivera durante toda a sua infância. Diziam que menina que passasse por debaixo do arco-íris virava menino. Ela ia buscar o barro na beira do rio e lá estava a cobra celeste bebendo água. Como passar para o outro lado? Às vezes, ficava horas e horas na beira do rio esperando a colorida cobra do ar desaparecer. Qual nada! O arco-íris era teimoso! Dava uma aflição danada. Sabia que a mãe estava esperando por ela. Juntava, então, as saias entre as pernas tampando o sexo e, num pulo, com o coração aos saltos, passava por debaixo do angorô. Depois se apalpava toda. Lá estavam os seinhos, que começavam a crescer. Lá estava o púbis, bem plano, sem nenhuma saliência a não ser os pelos. Ponciá sentia um alívio imenso. Continuava menina. Passara rápido, de um só pulo. Conseguira enganar o arco e não virara menino.”

Conceição Evaristo (1946). Ponciá Vicêncio. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. p. 13

“O menino respondeu logo ao ensinamento do distraído mestre. Em pouco tempo reconhecia todas as letras. Quando sinhô-moço se certificou de que o negro aprendia, parou a brincadeira. Negro aprendia sim! Mas o que o negro ia fazer com o saber de branco?”

Conceição Evaristo (1946). Ponciá Vicêncio. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. p.17-18

“Quem sabe a menina um dia sairia da roça e iria para a cidade. Então, carecia de aprender a ler. Na roça, não! Outro saber se fazia necessário. O importante na roça era conhecer as fases da lua, o tempo de plantio e de colheita, o tempo das águas e das secas. A garrafada para o mal da pele, do estômago, do intestino e para as excelências das mulheres. Saber a benzedura para o cobreiro, para o osso quebrado ou rendido, para o vento virado das crianças. O saber que se precisa na roça difere em tudo do da cidade. Era melhor deixar a menina aprender a ler. Quem sabe, a estrada da menina seria outra.”

Conceição Evaristo (1946). Ponciá Vicêncio. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. p.15

“Recordou de algumas conversas que tivera com o pai. Ele dizia que as mulheres pareciam estrelas. Eram bonitas, iluminavam a noite que existia no peito dos homens. Moravam em outras terras, tinham outros modos, outros sonhos.”

Conceição Evaristo (1946). Ponciá Vicêncio. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. p.77

“Desde o dia em que o homem de Ponciá havia batido nela tanto, a ponto de fazer sangrar-lhe a boca, depois condoído do sofrimento que infligira à mulher, nunca mais ele a agrediu e se tornou carinhoso com ela. Foi tanto pavor, tanto sofrimento, tanta dor que ele leu nos olhos dela, enquanto lhe limpava o sangue, que descobriu não só o desamparo dela, mas também o dele. Descobriu o quanto eram sós. Percebeu que cada um tinha os seus mistérios.”

Conceição Evaristo (1946). Ponciá Vicêncio. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. p.93

“Compreendera que sua vida, um grão de areia lá no fundo do rio, só tomaria corpo, só engrandeceria, se se tornasse matéria argamassa de outras vidas. Descobria também que não bastava saber ler e assinar o nome. Da leitura era preciso tirar outra sabedoria. Era preciso autorizar o texto da própria vida, assim como era preciso ajudar construir a história dos seus. E que era preciso continuar decifrando nos vestígios do tempo os sentidos de tudo que ficara para trás. E perceber que por baixo da assinatura do próprio punho, outras letras e marcas havia. A vida era um tempo misturado do antes-agora-depois-e-do- depois-ainda. A vida era a mistura de todos e de tudo. Dos que foram, dos que estavam sendo e dos que viriam a ser.”

Conceição Evaristo (1946). Ponciá Vicêncio. Rio de Janeiro: Pallas, 2017.p.109-110


Sobre Conceição Evaristo:

Conceição Evaristo é um dos nomes que tem se destacado na literatura contemporânea brasileira. A autora, negra e de origem pobre, nasceu em Belo Horizonte mudou-se para o Rio de Janeiro em busca de trabalho. No Rio de Janeiro, formou-se em Letras, e alguns anos mais tarde, fez Mestrado e Doutorado na área de Literatura. Apresenta-se como uma escritora versátil que transita entre o universo da poesia e da prosa. Apesar de escrever desde a juventude, Evaristo só começou a publicar aos 44 anos, em 1990, numa série de antologias de Cadernos Negros da editora Quilombhoje. Seu primeiro romance, Ponciá Vicêncio, foi publicado em 2003. Posteriormente, foram publicados Becos da memória (2006), Poemas da recordação e outros movimentos (2008), Insubmissas lágrimas de mulheres (2011), Olhos d’água (2014) e Histórias de leves enganos e parecenças (2016). Suas principais temáticas, geralmente, englobam a memória, a condição do negro, em especial, da mulher negra, a luta e a resistência, o legado histórico e os reflexos da escravidão.


Comentários de leitores do clube de leitura:

– Gente, foi ótimo! Obrigada por nos conduzir neste bate-papo tão proveitoso. Obrigada a todos. Interagir com vocês é sempre muito bom!!

– Obrigada leitores pelas impressões compartilhadas!

– Obrigada, mais uma vez, pelo encontro maravilhoso!

– Ler é muito bom! Trocar impressões, compartilhar ideias também. Trocar afeto é imprescindível.

– Obrigada por mais uma oportunidade de compartilhar ideias e sentimentos. Nossos encontros são enriquecedores!

– Gratidão a vocês. Adorei participar. Foi muito enriquecedor. Boa noite! Abraços

– Obrigada a todos pela excelente companhia durante essas duas horas. Gostei muito também.

– Obrigada por mais um encontro de ricas discussões. Foi sensacional! Foi ótimo!

– Obrigado pelas contribuições e sua condução sempre simpática. Ao grupo, obrigado pela enriquecedora conversa! Abraços e boa noite!

– Ao lado de uma escritora literária, Conceição Evaristo nos traz a missão da educadora. A história nos mostra os fatos objetivamente; a literatura sensibiliza o leitor, nos mostra a humanidade por trás de acontecimentos, como é o caso da escravidão no Brasil. A narrativa de Ponciá nos tira da zona de conforto dos compêndios e escancara a dor de uma raça, que constitui fortemente a identidade do país e que negamos, relegamos até os dias de hoje.

– Fico impressionada com a riqueza do livro em poucas páginas. Este livro me impactou…

– Terminei a leitura do livro Ponciá Vicêncio… adorei, me emocionei em vários trechos.


Próximos livros e datas previstas para discussões
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  • 10 – Hibisco Roxo – 26/maio/2022. Autora: Chimamanda Ngozi Adichie (Nigéria) – 256p.
  • 11- A vida invisível de Eurídice Gusmão – junho – 30/ junho/ 2022. Autora: Martha Batalha (Brasil) – 192p.

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O tema do clube de leitura “LER PARA TECER AEA-MG” é a leitura de livros de romances escritos por autoras brasileiras e também estrangeiras.

“Um clube de leitura é um grupo de pessoas que leem o mesmo livro e se reúnem, de tempos em tempos, para conversar sobre cada uma das obras lidas.”

Terezinha Pereira

 

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