Clube de Leitura Ler para Tecer – 21º Encontro

Prezados(as) Associados(as)

No dia 27 de abril de 2023 foi realizado, por videoconferência, o vigésimo-primeiro encontro do Clube de Leitura LER PARA TECER AEA-MG.

“Úrsula”, da autora maranhense, Maria Firmina dos Reis, foi o livro lido pelos participantes do Clube de Leitura e discutido nesse encontro.

Sobre “Úrsula”

O romance Úrsula foi escrito em 1859, 29 anos antes da abolição da escravatura no Brasil. O enredo da obra apresenta contextos sociais do Brasil Império e trata, em linhas gerais, dos profundos quadros de miséria e exploração humana que compõem a realidade de seres humanos escravizados além de ressaltar a posição hierárquica privilegiada do homem branco dentro da lógica escravista brasileira, o qual usava desse poder para exercer desmandos sobre os seus agregados, cônjuges, filhas e escravos. Assim, embasa a construção do personagem Fernando P., que representa, em termos simbólicos, a elite senhorial do Império. Elite essa que enxergava o mundo e os outros como realizadores das suas vontades contando, inclusive, com legitimidade até da esfera religiosa.

As personagens femininas foram inspiradas na observação de distintas camadas sociais do Brasil Império. A mulher branca e pobre ou negra e escrava, por exemplo. Ao destacar as vozes dessas mulheres, Firmina construiu uma importante reflexão sobre como a condição feminina em sua época. As personagens Luísa B. e Úrsula retratam como a mulher estava presa à tutela masculina, passando do pai para o marido. A escrava idosa Susana é portadora de memórias sobre os horrores do tráfico de escravos e narra, no romance, etapas da brutal viagem marítima que fez da costa africana até chegar ao Brasil.

A autora:

Maria Firmina dos Reis nasceu em São Luís do Maranhão, em 11 de outubro de 1825, “filha natural” da escrava alforriada Leonor Felippa dos Reis, tendo como avó a também escrava alforriada Engrácia Romana da Paixão e, como tio, o professor, gramático e filólogo Sotero dos Reis, pertencente ao ramo branco da família e com forte atuação nos círculos letrados da capital maranhense.

Em 1847, é aprovada em concurso público para a Cadeira de Instrução Primária na vila de São José de Guimarães, no município de Viamão. Ao se aposentar, no início da década de 1880, a autora funda, na localidade de Maçaricó, a primeira escola mista e gratuita do Maranhão e uma das primeiras do país. O feito causou grande repercussão na época e por isso foi a professora obrigada a suspender as atividades depois de dois anos e meio.

A professora foi presença constante na imprensa local, publicando poesia, ficção, crônicas e até enigmas e charadas. Segundo Zahidé Muzart (2000, p. 264), “Maria Firmina dos Reis colaborou assiduamente com vários jornais literários, tais como A Verdadeira Marmota, Semanário Maranhense, O Domingo, O País, Pacotilha, O Federalista e outros”.

Além disso, teve participação relevante como cidadã e intelectual ao longo dos noventa e dois anos de uma vida dedicada a ler, escrever, pesquisar e ensinar. Atuou como folclorista, na recolha e preservação de textos da cultura e da literatura oral e também como compositora, sendo responsável, inclusive, pela composição de um hino em louvor à abolição da escravatura.

Firmina é autora de Úrsula, publicado em 1859, mas com circulação somente a partir do ano seguinte. Livro revolucionário para o seu tempo, figura como o primeiro romance abolicionista de autoria feminina da língua portuguesa; e, possivelmente, o primeiro romance publicado por uma mulher negra em toda a América Latina. Em 1861, a autora lança em formato de folhetim Gupeva, narrativa curta de temática indianista, publicada em capítulos na imprensa local, e com novas reedições ao longo da década de 1860.

Já seu volume de poemas Cantos à beira-mar, cuja primeira edição é de 1871, traz textos marcados por forte inquietação e por uma subjetividade feminina por vezes melancólica diante da realidade oitocentista marcada pelos ditames do patriarcado escravocrata e também representada como problema perante a sensibilidade da autora.

Defensora da abolição, em 1887 publica na imprensa o conto “A escrava”, texto abolicionista empenhado em se inserir como peça retórica no debate então vivido no país em torno da abolição do regime servil.

Maria Firmina dos Reis faleceu em 1917, pobre e cega, no município de Guimarães. A partir de 2017, por ocasião do centenário da morte de Firmina, seus livros vêm sendo relançados: Úrsula, já com cerca de trinta reedições, algumas trazendo em apêndice o conto “A Escrava”; Gupeva, em sexta edição; além de Cantos à beira-mar, volume de poemas novamente disponível em publicação da Academia Ludovicence de Letras, organizada pela pesquisadora Dilercy Aragão Adler.

Até a presente data não foi encontrado um retrato de Maria Firmina.

Trechos do romance:

“Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem, com uma instrução misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida, o seu cabedal intelectual é quase nulo.” p.25

“Tinha chegado o tempo da colheita, e o milho e o inhame e o amendoim eram em abundância nas nossas roças. Era um destes dias em que a natureza parece entregar-se toda a brandos folgares, era uma manhã risonha, e bela, como o rosto de um infante, entretanto eu tinha um peso enorme no coração. Sim, eu estava triste, e não sabia a que atribuir minha tristeza. Era a primeira vez que me afligia tão incompreensível pesar. Minha filha sorria-se para mim, era ela gentilzinha, e em sua inocência semelhava um anjo. Desgraçada de mim! Deixei-a nos braços de minha mãe, e fui-me à roça colher milho. Ah! Nunca mais devia eu vê-la…

Ainda não tinha vencido cem braças do caminho, quando um assobio, que repercutiu nas matas, me veio orientar acerca do perigo iminente, que aí me aguardava. E logo dois homens apareceram, e amarraram-me com cordas. Era uma prisioneira – era uma escrava! Foi embalde que supliquei em nome de minha filha, que me restituíssem a liberdade: os bárbaros sorriam- se das minhas lágrimas, e olhavam-me sem compaixão. Julguei enlouquecer, julguei morrer, mas não me foi possível … a sorte me reservava ainda longos combates. Quando me arrancaram daqueles lugares, onde tudo me ficava – pátria, esposo, mãe e filha, e liberdade! Meu Deus! O que se passou no fundo da minha alma, só vós o pudestes avaliar!…

Meteram- me a mim e a mais trezentos companheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos às praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa. Davam-nos a água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e ainda mais porca: vimos morrer ao nosso lado muitos companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos!” p.102-103

Obs: esses trechos foram transcritos da edição: Maria Firmina dos Reis (1822-1917). Úrsula. (romance de 1859). Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.

Comentários de leitores do clube de leitura:

“Obrigada a todos. É sempre delicioso participar dos encontros com vocês.”

“Ótimo encontro!! Agradeço à mediadora pela indicação do livro e condução do encontro, ao Sebastião pela valiosa contribuição da gramática e a todas as colegas pelas observações tão interessantes.”

“Obrigado à mediadora pela generosidade em compartilhar indicações, afeto e conhecimento! E a todas as meninas pelas ricas contribuições às nossas leituras!”

“Muito bom nosso encontro, quanto aprendizado!”

“Foi um encontro excelente! Um momento regado ao convívio e escuta do outro sempre acrescentando conhecimento… Amei participar.”

“Não pude participar sobre o livro Ursula. Livro completo, excelente. Mais uma vez agradeço pela indicação.”

Sobre o audiolivro “Úrsula”: “Adorei escutar, seguindo no livro. Comecei e não parei!”

Sobre a autora: “Imaginar que ela com esta educação, escreveu um romance, e muitos com muita educação que recebem(eu) não conseguem escrever nenhuma redação!”

Para conhecer a autora:

Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista brasileira negra e abolicionista:

Palestra Maria Firmina Dos Reis Precursora da Negritude, com Eduardo de Assis Duarte

Audiolivro “Úrsula”

Próximos livros e datas previstas para cada discussão:

  • 22- A cor púrpura – 25/maio/2023
    Autora: Alice Walker (americana)
  • 23- Humanos exemplares – 29/ junho/ 2023
    Autora: Juliana Leite (brasileira)

Os encontros são realizados nas últimas quintas-feiras de cada mês.

O tema do clube de leitura “LER PARA TECER AEA-MG” é a leitura de livros de romances escritos por autoras brasileiras e também estrangeiras.

“Um clube de leitura é um grupo de pessoas que leem o mesmo livro e se reúnem, de tempos em tempos, para conversar sobre cada uma das obras lidas.” Terezinha Pereira


Capa Úrsula


Na foto, a associada Perpétua (Petinha) com o livro Úrsula.


Foto de tela – Participantes 21º Encontro Clube de Leitura

 

AEAMG