Clube de Leitura LER PARA TECER – 15º Encontro

Prezados(as) Associados(as)

No dia 27 de outubro de 2022, foi realizado, por videoconferência, o décimo-quinto encontro do Clube de Leitura LER PARA TECER AEA-MG. O livro discutido pelos 16 leitores presentes foi “Minha vida de menina”, da autora mineira, Helena Morley. A coordenadora do Clube, Terezinha Pereira, nos conta sobre o livro:

A obra Minha Vida de Menina, de Helena Morley, é formada por passagens do diário da própria autora durante sua adolescência, no período de 1893 e 1895 – quando ela tinha entre 13 e 15 anos. O livro foi publicado apenas em 1942, quando Alice Caldeira Brant já estava com seus 62 anos. No prefácio, ela conta que o objetivo da obra é mostrar às jovens – inclusive suas netas – como a adolescência dos dias atuais é diferente da simplicidade do cotidiano das garotas daquela época – final do século XIX.

Ao ser publicado pela primeira vez, “Minha Vida de Menina” provocou dúvida quanto à verdadeira data de sua autoria. Seria aquele realmente o diário de uma menina de 12 anos do final do século passado? Ou a impostura de uma autora reescrevendo adulta o seu diário de criança?

Guimarães Rosa, um dos ilustres admiradores desse texto (ao lado de Drummond, Elizabeth Bishop, que o traduziu para o inglês, Bernanos etc.), chegou a dizer que, nesse caso, “Minha Vida de Menina” seria ainda mais extraordinário, pela literalidade de sua reconstrução da infância.

O fato é que o diário, possivelmente retrabalhado para a publicação em 42, é obra de alguém cuja vida parece ter sido construída (ou desconstruída, para usar uma terminologia recente) por uma nostalgia sem fim.

Trechos Copiados da edição da “Companhia do Bolso”, de 2016:

“Quarta-feira, 21 de junho
No ano da fome eu era muito menina, mas me lembro ainda de algumas coisas daquele tempo. Se eu estivesse maior e mais esperta como hoje, acho que não passaríamos em casa o que passamos naquela ocasião.

Nunca nada me impressionou tanto como a fome daquele ano. Lembro-me até hoje das velas que mamãe acendia no oratório, pedindo a Deus que mandasse chuva. Não havia nada na cidade para se comprar. Os negociantes punham gente nas estradas para cercar os tropeiros para comprar o pouco que eles traziam e vender pelo dobro ou triplo. Quem tinha pouco dinheiro passava fome. Cada dia tudo subia mais. Chegavam todo dia notícias de gente morta na redondeza.

Em toicinho nem se falava. Vovó, sabendo que Seu Marcelo tinha matado um porco, mandou se empenhar com ele para ceder uma arroba por qualquer preço. Até hoje me lembro de nossa alegria quando vimos um crioulo da Chácara entrar com um prato com toicinho.” p.61

“Quinta-feira, 1o de março
Meu pai hoje veio da Boa Vista com tio Joãozinho para votarem no Presidente da República e no Dr. João da Mata para deputado. Na nossa família todos têm de mexer com política, por causa de tia Aurélia e tio Conrado que são muito influentes. Ele é irmão da mãe de Dr. Mata e muito amigo dele e pegou essa amizade na família toda. Eu mesma dou razão de todos o considerarem uma honra da Diamantina porque é um homem muito bom. Todos tiveram muita raiva quando Floriano o prendeu. Meu pai diz que espera que ele ainda vá eleito Presidente do Estado e depois da República.

O que eu acho mais engraçado no dia da eleição é o partido que todos tomam e ninguém perdoa o que vota contra nesse dia. É tanta animação na cidade que parece coisa que nos interessa. Acabada a eleição ninguém mais se lembra. Seu Cadete fica tão influente que dá roupa e botinas aos negros para irem votar. Os negros da Chácara, que sabem ler, que são Marciano, Roldão e Nestor, já desde cedo estavam de roupa limpa para a eleição. Vovó lhes recomendou: “Vocês não escutem conversa de ninguém nem aceitem papel nenhum que queiram dar. Fiquem perto de Joãozinho e na hora de votar façam o que ele mandar”. Eles saíam muito anchos.

Eu gosto de ver a animação da cidade mas não acredito que isso possa adiantar nada para nós.” p. 128

(OBS: Refere-se a eleições para presidente em 1894)

“Vovó sempre se queixa que a Lei de Treze de Maio serviu pra dar liberdade a todo mundo menos a ela, que ficou com a casa cheia de negros velhos, negras e negrinhos. Ela gosta quando casa qualquer delas; dá enxoval e uma mesa de doces. A senzala antiga tem um quarto de noivos que dá para o terreiro. De vez em quando tem que se arranjar o quarto para um casamento. Vovó fica contente e já se casaram muitas. Bela é que foi a última e já está tão infeliz!” p. 122

“Assim passei a tarde sem fazer nada. Como só de escrever eu nunca tenho preguiça, venho aqui contar a história do tempo antigo, para o futuro, como diz meu pai. Quem sabe lá se no tal futuro não haverá ainda mais novidades do que hoje? José Rabelo vive pesando urubu na balança para inventar máquina da gente voar. Que coisa boa não seria isso! Eu tenho às vezes tanta inveja do urubu voar tão alto. Agora que seria se eu virasse urubu? Isso é que seria engraçado. Mas, melhor ainda seria inventar a gente não morrer. Enquanto a gente não voa, como José diz que se há de inventar, melhor seria se voltássemos ao tempo antigo, com saias de algodão ou baeta. Que boa coisa!” p. 92-93.

Sobre Helena Morley:

Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant, que nasceu em 28 de agosto de 1880, em Diamantina/MG e faleceu no Rio de Janeiro/RJ em 20 de junho de 1970.

Quando tinha 12 anos de idade, Alice começou a escrever um diário, que foi publicado somente em 1942. A obra logo alcançou grande sucesso. A autora escreveu apenas o livro: “Minha vida de menina”. Esse livro tem grande valor histórico, já que registra a cultura, os costumes e os preconceitos da sociedade mineira do fim do século XIX. Além disso, evidencia o universo feminino de uma adolescente dessa época.

Alice Dayrell Caldeira Brant foi casada com o diamantinense Augusto Mario Caldeira Brant e juntos tiveram sete filhos. A mãe de Alice, Alexandrina Batista Dayrell, era mineira com família de origem portuguesa; seu pai, Felisberto Dayrell, de origem inglesa, cuja família teria vindo para o Brasil em busca de um clima melhor para a saúde do patriarca da família, o médico John Dayrell.

Comentários de leitores do clube de leitura:

“Quero dizer que gostei muito do livro, fiquei impressionada com a inteligência e a cultura da Helena. Que menina esperta, espirituosa! É uma leitura leve e muito divertida!”“Obrigada pela excelente indicação do livro (muito gostoso de ler 😃) e por mais uma condução do grupo.”

“Boa noite para todos. Sonhem com Biribiri.”

“Boa noite! Como sempre o encontro foi maravilhoso. Obrigada Terezinha pela condução do grupo. Um abraço carinhoso e um feliz fim de semana.”

“Gratidão a todos pelas trocas e acolhimento. Obrigada pela condução…. Excelente reflexão…”

“Como sempre, o nosso encontro foi enriquecedor! Obrigada pela condução e obrigada colegas por compartilharem suas experiências e emoções. Beijos a todos.”

“Não falamos sobre a loucura, os loucos da cidade. Fica como uma reflexão sobre essas figuras típicas e populares das cidades do interior. Obrigado, grupo!”

“Viajar para o final do século XIX, pra uma cidade mineira, para o dia a dia de um núcleo familiar nos possibilita entrar em contato com aspectos culturais, históricos, sociais e, ao mesmo tempo, uma viagem para nossas memórias, lembranças e esquecimentos. Um trem mineiro por muitas estações, profusão de passageiros, eventos corriqueiros, festivos e trágicos, como a vida, sob o olhar de uma mocinha curiosa e à frente do seu tempo.”

“Vocês são só cultura…posso ficar pertinho de vocês pra eu aprender um pouquinho?”

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Próximos livros e datas previstas para cada discussão:

  • 16- A elegância do ouriço. 24/ novembro/ 2022. Autora: Muriel Barbery (autora franco-marroquina).
  • 17- Um mapa todo seu. 29/ dezembro/ 2022. Autora: Ana Maria Machado ( brasileira)

Os encontros são realizados nas últimas quintas-feiras de cada mês.

O tema do clube de leitura “LER PARA TECER AEA-MG” é a leitura de livros de romances escritos por autoras brasileiras e também estrangeiras.

“Um clube de leitura é um grupo de pessoas que leem o mesmo livro e se reúnem, de tempos em tempos, para conversar sobre cada uma das obras lidas.”

Um poema sobre as ruas de Diamantina:

Estas ruas serpeantes

Diamantina, eu te defino

Por tuas ruas andejas,

Serpeando ao som do sino

Entre capelas e igrejas.

As ruas de Diamantina

Têm esse encanto sem par:

Penumbra que as ilumina…

Mistério que as faz cantar…

Têm mistérios desde o berço,

E em todo o curso da história

Mistérios como os do terço

De gozo, de dor, de glória.

Silenciosa e discreta,

Cada qual esconde um drama,

Que só revela ao poeta,

Que elas sabem quanto as ama.

Ouvi então, sem palavras,

Muitas lendas esquecidas,

Sobre diamantes e lavras,

Abandonadas, perdidas.

Eu ouvi tal qual Moisés,

As palavras abrasadas:

Tira as sandálias dos pés,

Que estas ruas são sagradas!

Descalcei-me. E, peregrino,

Fiz-me igual pela lembrança,

Ao seu filho Juscelino

Nos seus tempos de criança.

Na Serra do Rio Grande,

A cidade, como um leque,

Diante de ti se expande,

Num gentil salamleque.

Sobem ruas e caminhos;

As casas que tens defronte,

Diz Lessa, “são cordeirinhos

Que se banhadas na fonte”.

Estas ruas, estas casas

Transpirando tradição,

Mostram rumos e dão asas

À minha imaginação.

E no silêncio, na calma

Que tem o velho Arraial,

Quanto dizem a minha alma

De trovador medieval.

Do livro ” Estas ruas serpeantes” – Trovas
Pe.Celso de Carvalho
Diamantina 1992

OBS: Poema gentilmente cedido pela leitora Márcia Guimarães Guedes, leitora do Clube de Leitura, natural de Diamantina.

Link para o filme: “Vida de menina”, de Helena Solberg, de 2004, inspirado em Minha vida de Menina: https://www.facebook.com/watch/?v=296260338175254

Link fotos de Diamantina: https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/08.095/1887


Capa do livro


Sala de videoconferência 


Participante do Clube, Irene Botelho


AEAMG