Release referente ao 38º encontro do Clube de Leitura

Publicado em 1979, Anarquistas, graças a Deus é o livro de estreia de Zélia Gattai e seu primeiro grande sucesso. Filha de anarquistas chegados de Florença, por parte do pai Ernesto, e de católicos originários do Vêneto, da parte da mãe Angelina, a escritora trazia no sangue o calor de seus livros.

Trinta e quatro anos depois de se casar com Jorge Amado, a sempre apaixonada Zélia abandona a posição de coadjuvante no mundo literário e experimenta a própria voz para contar a saga de sua família.

É assim que ficamos conhecendo a intrépida aventura dos imigrantes italianos em busca da terra de sonhos, e o percurso interior da pequena Zélia na capital paulista.

A determinação de seu Ernesto e a paixão pelos automóveis, a convivência diária com os irmãos e dona Angelina, os sábios conselhos da babá Maria Negra, as idas ao cinema, ao circo e à escola, as viagens em grupo, o avanço da cidade e da política – nestas crônicas familiares, vida e imaginação se embaralham, tendo como pano de fundo um Brasil que se moderniza sem, contudo, perder a magia. Exímia contadora de histórias, Zélia as transforma em instrumento privilegiado para o resgate da memória afetiva. Foi Jorge Amado quem, um dia, lendo um conto de qualidade duvidosa que Zélia rascunhava, pescou essa veia de documental.

Apontou-lhe o caminho e mostrou que ela se alimentava de sua rica ascendência familiar. Surge assim a Zélia memorialista, para quem a literatura provém não tanto da invenção, mas do trato apurado da memória e do desfiar cuidadoso, mas sem melindres, da intimidade.

Em suas mãos, a literatura se torna, mais que confissão, auscultação do mundo. É tendência para o registro e o testemunho, que cimentam não só um estilo quase clínico de observar a existência, mas uma maneira de existir. Pois é da persistência do espanto que Zélia, em resumo, trata.

Se Jorge Amado foi uma espécie de biógrafo involuntário do Brasil, Zélia Gattai se afirma como a grande narradora de nossa história sentimental.

A autora: Zélia Gattai

Zélia Gattai, escritora brasileira, começou a escrever com 63 anos. Estreou na literatura com o livro de memórias “Anarquistas Graças a Deus”, em 1979, o qual foi traduzido para diversos países, sendo adaptado para o teatro e para uma minissérie de televisão.

Zélia, que assinou seu primeiro livro com o nome de solteira, tomou gosto, e três anos depois já lançava o segundo livro e não parou mais. Alguns de seus livros foram traduzidos para vários países.

A autora nasceu em São Paulo, no dia 2 de julho de 1916 e faleceu em Salvador, Bahia, no dia 17 de maio de 2008.

Filha de Ernesto Gattai e Angelina, imigrantes italianos, passou sua infância e adolescência no bairro do Paraíso, São Paulo, onde fez os estudos básicos.

Casou-se aos dezenove anos com Aldo Veiga. Em 1942, nasceu seu primeiro filho, Luís Carlos. O casal separou-se depois de oito anos de casados. Em 1945, Zélia conheceu o escritor Jorge Amado.

Pouco tempo depois, foram morar juntos, pois ainda não havia divórcio e os dois eram separados. Zélia passou a trabalhar com Jorge, revisando e datilografando os originais de seus livros.

Em 1945, com a eleição de Jorge Amado para a Câmara Federal, o casal mudou-se para o Rio de Janeiro. Em 25 de novembro de 1947, nasceu João Jorge o primeiro filho do casal e o segundo filho de Zélia.

Em 1948, o Partido Comunista foi declarado ilegal e os parlamentares eleitos pelo PCB foram cassados. Jorge Amado perdeu o mandato e teve que se exilar. Até 1951, Jorge e Zélia moraram em diversos países: Tchecoslováquia, Polônia, França, URSS.

Em 1951, nasceu sua filha Paloma. Viajaram ainda para a Hungria, Romênia, Bulgária, China e Mongólia. De volta ao Brasil, em 1952, passam a morar no Rio de Janeiro, onde permanecem alguns anos.

Em 1960, Zélia e Jorge compram uma casa em Salvador, Bahia, no bairro do Rio Vermelho. No dia 12 de maio de 1976, depois de vários anos de união, eles conseguiram oficializar o casamento.

Zélia e Jorge (falecido em 2001) viveram juntos por 56 anos. Em 2001, ela foi eleita pra a cadeira n.º 23, que pertenceu a Jorge Amado, da Academia Brasileira de Letras. Foi também eleita para a Academia de Letras da Bahia.

Alguns livros publicados: Anarquistas Graças a Deus, 1979; Um Chapéu para Viagem, memórias, 1982; Senhora Dona do Baile, memórias, 1984; Jardim de Inverno, memórias, 1988; Pipistrelo das Mil Cores, literatura infantil, 1989; A Casa do Rio Vermelho, memórias, 1999; Cittá di Roma, memórias, 2000; Um Baiano Romântico e Sensual, 2002

Trechos do romance (copiados da edição: Zélia Gattai. Anarquistas, graças a Deus. 11ªed. Rio de Janeiro: Record. 1986):

“Tia Dina tão querida, a única pessoa que já me dera um presente de aniversário (nunca se festejou em casa aniversário de ninguém. “Que besteira festejar aniversários…”). Tia Dina trouxe o presente porque lhe contei (às escondidas de mamãe) que faria anos no dia seguinte. Ganhei dela chocolates em formato de bichinhos e de cigarrinhos; de mamãe levei um carão sem tamanho:
— Menina mais atrevida! Não tinha nada que falar de aniversário com ninguém! O que é que a tia não vai pensar? Que você está pedindo presentes? Coisa mais feia! Envergonha a gente!” p.33-34

“A Alameda Santos, vizinha pobre da Paulista, herdava tudo aquilo que pudesse comprometer o conforto e o status dos habitantes da outra, da vizinha famosa.

Os enterros, salvo raras exceções, jamais passavam pela Avenida Paulista.Eram desviados para a Alameda Santos, nela desfilavam todos os cortejos fúnebres que se dirigiam ao Cemitério do Araçá, não muito distante dali. Rodas de carroças e patas de burros jamais tocaram no bem cuidado calçamento da Paulista.
Tudo pela Alameda Santos! Nem as carrocinhas da entrega do pão, nem os burros da entrega do leite, com seus enormes latões pendurados em cangalhas, um de cada lado, passando pela manhã muito cedo, tinham permissão de transitar pela Avenida.
Nossa rua era, pois, uma das mais movimentadas e estrumadas do bairro, com seu permanente desfile de animais.
Em dias de enterros importantes, o adubo aumentava. Imensos cavalos negros, enfeitados de penachos também negros — quanto mais rico o defunto, maior o número de cavalos—, puxando o coche funerário, não faziam a menor cerimônia: no seu passo lento levantavam a cauda e iam fertilizando fartamente os paralelepípedos da rua. Cada morador tinha direito às porções largadas em frente à sua casa, na minha Alameda Santos — quando digo a minha Alameda Santos, refiro-me ao trecho entre a Rua da Consolação e Bela Cintra, de casas modestas, onde todo mundo se conhecia e se dava. Munidos de latas e pás, havia sempre meninos dispostos a fazer o serviço de recolhimento e entrega do material, por alguns vinténs.” p.43

“Wanda descobrira havia tempo o esconderijo das coisas proibidas e, sempre que possível, lá íamos nos regalar. Além dos vestidos de mamãe, que não eram muitos, estavam guardados nesse armário, propriedade privada, um mundo de objetos, os mais variados, e que atraíam nossa curiosidade: entre outros, havia bibelôs de biscuit, joias, livros anarquistas, uma belíssima edição italiana, ilustrada por Gustave Doré, de “La Divina Comédia” de Dante Alighieri, e um frasco de fortifiçante, o preferido de mamãe: “Ferro Quina Bisléri”. Esse remédio tinha gosto de licor; bastante alcoólico, apenas de um ligeiro travo amargo, era uma delícia! Dona Angelina o tomava diariamente, antes das refeições. A nós ela dava a execrável “Emulsão de Scott”, leitosa, grossa, gosto e cheiro de peixe. Verdadeira mania das mães de então, fortalecerem os filhos, durante o inverno, com óleo de fígado de bacalhau. Só de ver o frasco com o inconfundível rótulo do homem carregando um peixe às costas, bacalhau enorme, quase de sua altura, sentia náuseas.” p.124

Comentário de leitores do Clube de Leitura:

“Clube tem-me ofertado incríveis novos experimentos.”

“Como sempre foi um encontro muito prazeroso.”

“Com essa história tão amorosa e cativante, escrita de maneira simples e envolvente. Obrigada por mais essa oportunidade! Eu nunca havia lido nada da Zélia Gattai e gostei muito.”

“Mais uma reunião prazerosa e proveitosa do grupo. Zélia Gattai, que delícia de ler!! Quantas referências importantes, quanta leveza, ao mesmo tempo. Agradeço à Terezinha pela indicação e orientação, à AEA, pelo patrocínio, aos colegas participantes pela troca, sempre tão rica.”

“Percebi semelhanças entre Carolina Machado de Assis e Zélia Gattai. Ambas vieram de lares onde a cultura era incentivada, ambas se ligaram a homens extraordinários e reconhecidos e foram fundamentais para a produção literária dos maridos. Nos livros de memórias subsequentes a ‘Anarquistas’, Zélia relata que era ela quem datilografava e revisava os textos de Jorge Amado. Assim como Carolina o fazia para Machado de Assis.”

“Como sempre, excelente encontro e muito aprendizado.”

Para conhecer a autora:

Próximo livro e data prevista para a discussão:

39º. – A boa sorte, da espanhola, Rosa Montero
Data: 31 de outubro de 2024

Os encontros são realizados nas últimas quintas-feiras de cada mês.

O tema do clube de leitura “LER PARA TECER AEA-MG” é a leitura de livros de romances escritos por autoras brasileiras e também estrangeiras.

“Um clube de leitura é um grupo de pessoas que leem o mesmo livro e se reúnem, de tempos em tempos, para conversar sobre cada uma das obras lidas.”

AEAMG